segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

a invenção da liberdade sexual feminina

Recentemente escrevi um texto aqui que tratava sobre um certo tipo de relação de dominação em posições de poder: casos específicos de alguns professores que usam sua posição privilegiada pra seduzir alunas, de variadas maneiras. Muitos comentários surgiram e o mais interessante disso tudo foram as observações sobre o fato de que muitas meninas (com menos de 18 anos) podem querer, por vontade própria, ter um caso com o professor:


O que intrigou muita gente é isso: se a mulher quer, tá tudo bem (ainda que "a mulher" em questão seja menor de idade) afinal, as feminazi não lutam pra que a mulher seja livre? Então! Liberdade é dar pro professor se tu quiser - ou pra 40 ômis em um mês. Mas será mesmo? Duvido. Parece que muita gente tem esquecido que esses "desejos" individuais são completamente pautados pela cultura - por regras sociais construídas com base num conjunto de aprendizados sobre ser mulher e ser homem - e sobre uma lógica liberal, de consumo, a respeito da tantas vezes maldita liberdade.



O tema da liberdade sexual das mulheres é bastante discutível, principalmente quando lembramos que, por séculos, as mulheres foram educadas para servir aos ômis. Quantas ainda lavam a louça pro marido, todos os dias, depois assistem a novela, se perfumam e cumprem suas obrigações conjugais na cama? Quantas mães ainda servem seus filhinhos de 30 anos na mesa ou passam suas camisetinhas (já vi mãe que dobra a cuequinha também, juro que vi)? Quantos pais viram o pescoço pra olhar a bunda de uma mulher na rua, mas protegem suas "filhinhas"? Esses são machismos clássicos e visíveis. Já fazem parte da institucionalização sobre machismo.



Mas não é apenas dele que nos ocupamos neste blog. Até porque, a construção social machista é altamente sutil e geralmente indefinida, pra maior parte das pessoas. O machismo é tão naturalizado que ozômi se autoriza a chamar feminista de exagerada ou de feminazi. Mas o que que isso tem a ver com liberdade sexual feminina? Como tudo que se refere à mulher, nessa vida, passa por relações de poder e dominação, Voilà!, a mulher não é sexualmente livre - ainda. E há uma tendência a vender esse discurso bem arrevesado da mulher livre.  



Confesso que fiquei intrigada com o título dessa matéria do Terra. Tem alguma desvantagem em ser LIVRE? O próprio título já pressupõe que uma mulher solteira é livre - de um ômi, claro -, mas é livre e infeliz - pela falta do ômi. E a matéria dá dicas de como tu aprender a ser feliz, mesmo sem ter um ômi.



WTF? A mulher ainda deve pensar sua liberdade a partir do que teoricamente agrada um homem.Tu é livre e solteira, mas se for pra balada, te controla! Homem não gosta de mulher pegajosa, que não dá espaço pra individualidade!



Outra dica é valorizar sua autoestima. E vejam só! Autoestima da mulher livre, DE NOVO, tem a ver com o que o homem pensa de ti. Ou seja: é o homem que vai te ver como uma mulher "bem resolvida" - se tu não ficar com caras meia boca! É ele quem julga. E depois querem que a mulher construa sua própria autoestima. 



Vocês já pararam pra pensar que, na maior parte das esferas da vida, a mulher não é livre ou ainda não tem os mesmos direitos garantidos aos ômi? É ridículo até a gente escrever isso aqui, mas tem cada comentário no blog, que, pelamordadeusa! Tem muita gente que não sabe disso ainda. Infelizmente. 

A mulher ainda ganha menos ou tem menos oportunidades de trabalho. Muitas mulheres enfrentam todos os tipos de assédio moral e abusos por onde andar. A maior parte dos escritores legitimados do nosso e de outros tempos, são ômis. A lindeza de 2014 foi a Veronica Stigger ter ganhado o São Paulo de Literatura com Opisanie Swiata (livro sensacional). Isso pra citar pouca coisinha a que se impõe determinadas subordinações. 

A mulher não é sexualmente livre porque toma pílula. A mulher não é livre, sexualmente, porque "pode escolher" com quem transar a hora em que bem desejar. A mulher não se torna necessariamente livre e empoderada de seu corpo quando transa com todos os caras do mundo. Ou quando "decide" fazer mil dietas e exercícios porque, oh, com certeza, a Fátima Bernardes ensina que o importante é se arrumar e ficar linda pra si mesma, não para as outras invejarem ou para os ômis desejarem. Como se esse "si mesma" estivesse livre de tudo o que o machismo impõe!


Tudo isso e muito mais não torna a mulher livre, sexualmente, porque o sexo é um produto da indústria e vende baratinho ali na pornografia mais próxima. E vende pros ômi. Porque ainda há nesse mundo quem jamais tenha tido um orgasmo sequer e tenha fingido absolutamente todos. A mulher não é livre, sexualmente, porque ser lésbica é se bastar, entre mulheres - e quase ninguém fica de boas em ver duas mulheres se amando muito e sendo felizes. A mulher não é livre, sexualmente, porque o sexo ainda tem a velha cara da servidão. E o corpo, esse templo plenamente político, reproduz variadas práticas de aprisionamento (Vide o conjunto de tabus e desconfortos sobre masturbação feminina, pra citar um pequeno exemplo).

Nos últimos tempos começamos a ouvir muito sobre isso: Ahhh, mas a mulher já conquistou muitos direitos, mulher é livre, mulher pode tanto quanto o homem. Que que vocês ficam brigando aí? (Mulher pode votar, vê só! Tem licença maternidade e os ômi não tem! Tão reclamando do que?) O triste de tudo é que a nova tendência de dizer que a mulher livre e bem resolvida tem a ver, completamente, com a mulher que ganha a alforria pela mão do patriarcado. E pra isso, minha nossa, há uma submissão muito sutil implicada nessas supostas "práticas de liberdade". Separamos abaixo duas categorias - que podemos chamar de paradoxos - sobre essa invenção de uma liberdade que, para nós, ainda carrega a servidão ao macharedo:

Pra ser livre: Tem que servir ao ômi
No fim das contas é isso, minha gente. O estigma da mulher bem resolvida tem se construído sobre aquela que, por exemplo, pega geral na balada - age como o cara galinha ou pegador. Ser livre é passar o rodo nos ômi. A mulher livre, pro discurso machista, é a que dá pra todos e, só  depois disso, ganha a liberdade de dizer que não se importa com nada.  É claro que, de modo algum estamos dizendo que ficar com todo mundo é aprisionamento. Mas sim, pode ser uma forma de forjar a liberdade. Nós queremos e lutamos pela liberdade dos corpos. Lutamos para que uma mulher possa ficar com quem quiser e ser o que quiser. Mas vejam bem: ser o que ELA quiser - ela e sua construção social e histórica. Aqui, falamos de um fenômeno bastante específico que se impõe pra muitas mulheres: achar que ser livre é ser a mulher rodada, sem uma reflexão a respeito do que isso pode significar pra si mesma numa relação profunda com a história das mulheres e da luta das mulheres. 


"Andei rodando e não dei pra ti" O tumblr da mulher rodada ajuda a pensar nisso. 

Pra ser livre: Tem que ser um ômi
Esses tempos ouvi de uma amiga que a chefe dela era "ticudona". Não é à toa que é a chefe, vejam! Ela age como homem - é bom de trabalhar com ela porque não tem as frescuras de mulherzinha. Ela ganha bem e é diretora da empresa porque tem colhões. Por isso, também, é livre. MENTIRA! Várias vezes já ouvi que o problema da educação são as mulheres. Você acreditam? Enquanto uma mulher precisar agir como homem pra ser livre, RÁ! estamos fritas. Enquanto a mulher for cópia do homem por tentar ser humana, estamos operando com a ideia de que ser humano significa ser homem. 



Então, gurias, talvez seja importante tomarmos cuidado por aí com essa história da mina bem resolvida. O que é ser "bem" "resolvida"? Esse papo de "Se quer ser piriguete seja" só tá valendo, de verdade, com muita reflexão e consistência - pra si mesma. Que seja bem ou mal resolvida, mas que seja uma premissa feminina e nunca masculina (e com isso, quero dizer - fundada sob pontos de vista patriarcais). É sempre importante pensarmos pra quem esse discurso serve e, afinal: quem tem ganhado com isso através dos tempos?

2 comentários:

  1. 'Muito bom texto, observo que quando se diz que é livre logo vem a ideia de poder fazer o que quiser, sair pra balada toda noite, beber, fumar, ficar ou beijar tantos caras ou gurias, fazer competições desse tipo. pode até fazer isso se realmente a pessoa se sentir bem mas não no propósito de mostrar para alguém ou provar para o outro que também posso fazer. Isso não é ser livre, está mais ligado a liberdade reprimida por anos.....a auto estima (em alta) é o segredo da liberdade..

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