quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

não é ilegal: cultura do estupro e pedofilia

Ninguém por aí tem coragem de se dizer defensor de estupro e pedofilia. A gente sabe que não pode defender atos absurdos como esses. Mas tem um problema: será que todo mundo sabe o que é estupro e pedofilia? Assim como o estuprador não é só o cara nojento escondido atrás da moita atacando mulheres indefesas no parque, o pedófilo não é só o cara que baixa pornô infantil no computador ou fica se masturbando vendo criancinhas brincar no balanço da pracinha. Estupro e pedofilia conseguem ser bem mais sutis que isso, aparecem na novela rodeados de clima romântico, acontecem dentro de casa entre marido e mulher onde "não se mete colher", aparecem na estatística assustadora que mostra o Brasil como o quarto país do mundo com maior número de casamentos infantis.




Quando a gente discute qualquer movimento social, um dos maiores problemas são os "metidos a advogadinhos" que a-do-ram citar leis. Quando as feministas dizem "mulher não pode deixar seus pelos crescerem", sempre tem um espertinho pra dizer "claro que pode, não tem nenhuma lei que proíbe pelos em mulheres". Claro que não tem nenhuma lei, acontece que a maioria das coisas que "não pode" não são proibidas por lei, por constituição, mas por moral, por padrão da sociedade, pela mídia etc.



Quando a gente fala de machismo, estupro e pedofilia qual é a necessidade de trazer leis? Só serve para validar o tal machismo, estupro e pedofilia, óbvio! Como aconteceu hoje de manhã na gloriosa Rede Globo: no programa Mais Você, convidaram uma advogada para falar que ter relações sexuais com CRIANÇAS maiores de 14 anos não é crime se há consentimento. Consentimento?? Sério? Uma menina de 15 anos transar com um cara de 50 é de boas? Ela consentiu mesmo? Sério, dona advogada? Tudo isso pra defender o barba azul do BBB.

Citar lei não serve pra nada, especialmente em debates sobre machismo. O machismo não tá na lei (apesar de ainda existirem leis absurdas de desigualdade de gênero no país). O machismo tá na moral conservadora da sociedade. Se a gente for só seguir a lei, segundo a bela advogada do Mais Você, meninas de 14 poderiam namorar velhos nojentos podres pedófilos de 60 anos, por exemplo. Imagina, uma menina de 14, na oitava série, nem entrou no segundo grau, mal ficou menstruada, não tem idade pra beber ou dirigir, sua comida preferida é batata frita do McDonald's, ficou com uns poucos meninos, talvez nem saiba nada sobre sexo ainda (muita gente se engana dizendo que "os jovens de hoje em dia" já fazem sexo super novos, mas isso é uma análise muito burra), mora com os pais, tem um quarto pintado de roxo cheio de pôster do Justin Bieber, e tá lá namorando um cara que já passou por 300 coisas na vida, talvez tenha netos de 14, já teve 250 mil noites de bebedeira, já se relacionou com mil mulheres diferentes, provavelmente abusou de muitas delas. Realmente esse cenário te parece correto só porque não é contra lei??



Quem considera que uma menina de 14 ou 15 anos pode consentir e ser bem feliz e achar um máximo uma relação com um cara de 50 (ou 40, ou 30...) é porque não conhece nenhuma criatura de 14 anos. Eu dei aula pro pessoal dessa idade, sei muito bem como eles são, o que se passa nas cabecinhas. Jamais uma menina de 14 anos tem noção do que tá fazendo se aceita sexo com um cara velho. O cara de 50 tem noção, ele sabe muito bem o que tá fazendo, ele sabe o que dizer pra guria, ele sabe a vantagem que ele tem. A menina de 14 não sabe nada e não importa o que diz na lei.

Escravidão já foi legal. O holocausto foi legal. Até 2001, o homem ainda podia "devolver" a esposa se descobrisse que ela perdeu a virgindade antes do casamento. Ainda é proibido por lei homens gays doarem sangue. Será que a lei é realmente nosso melhor guia ético?

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- nota contra gente que vai dizer "mas tu é muito ingênua se acha que jovenzinhas de 14 não fazem sexo": ingênuo e portador de intelecto de novela é tu, que acredita na falácia dos "jovens de hoje em dia blá blá blá". O que uma criatura de 14 anos sabe sobre sexo nunca vai se comparar ao que uma pessoa de 30, 40 ou 50 sabe, não importa que essa guria de 14 tenha transado com mil caras. Deixa ela explorar a sexualidade dela, mas com gente da idade dela, que tem as mesmas perspectivas de vida que ela.

- nota contra gente que vai dizer "mas pro amor não tem idade": tu acha que é amor o que cara quer com a guriazinha? Então o ingênuo é tu, migo. O cara quer submissão, controle, corpinho jovem, estupro, poder. O cara é tão incompetente que mulheres da idade dele sabem muito bem quem ele é, sabem que ele é um escroto podre e não querem saber dele. Ele vai dar em cima de guriazinha que ainda não entendeu como diferenciar caras na vida, a menina de 14 anos cheia de consentimento não faz ideia do tipo que ele é. Infelizmente, ela vai conhecer cedo na vida o que é ser estuprada, controlada e, ainda, culpada pelos próprios abusos.

- nota contra quem vai dizer "com 14 até concordo, mas adolescentes de 16, 17, 18 são diferentes": não são tão diferentes, não. Parem de romantizar crianças, de forçar o amadurecimento feminino, de aprisionar os corpos de meninas desde muito cedo. Deixem as meninas de 14, 15, 16, 17, 18, 19 se relacionarem com quem tem a mesma idade delas, a mesma vida, os mesmos medos. Mulheres não amadurecem mais cedo, só são vítimas  de abuso e controle mais cedo.




6 comentários:

  1. Ei, Amanda, parabéns pelo texto, toca perfeitamente no abismo de maturidade sexual e intelectual que reconhecemos nesses casos.

    Assim, como poderíamos propor uma lei melhor para tratar de pedofilia? Digo ainda, qual deveria ser o limite de idade entre duas pessoas -- homem x mulher, mulher x mulher, homem x homem -- num relacionamento?

    Você falou em "pessoas da mesma idade", mas qual seria o limite? É possível definir um número, um intervalo saudável com base em algum estudo psicológico?

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    1. Obrigada, Saulo!

      Olha, acho que a questão é justamente não pensar tanto em leis, mas em ética mesmo. Acho que realmente é difícil definir um limite de idades. O precisamos é debater mais o assunto, abordar em todos os locais, dentro das escolas com os jovens e ampliar o alcance desse debate.

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    2. Pois é, não tem como definir uma idade para isso! Mas acho que a Lei brasileira deveria ser mais plausível, porque alguém com 14 anos tem maturidade pra consentir ou não sexo com um adulto, alguém de 16 tem maturidade suficiente pra decidir o futuro de seu país, estado ou cidade, mas pra dirigir só com 18??

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  2. Sobre o comentário acima, podem me tirar uma dúvida? Acredito que há uma lei que apresente uma discrepância de idade entre um maior e um menor de idade para se relacionarem. Por exemplo, um homem de 19 anos pode namorar uma de 17, pois a discrepância é de dois anos. Mas um homem de 30 não pode namorar uma de 17, pq, bem, já deu p entender. Só não sei exatamente a diferença de idade estipulada pela lei...

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    1. Oi, Pamela!
      Não tenho esse conhecimento de leis, justamente até quis me distanciar disso no texto.
      Mas acredito que essa lei de discrepância de idades não exista, de acordo com alguns advogados que se pronunciaram sobre o assunto. Mais uma vez, a lei não ajuda em nada, só incentiva o abuso...

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    2. Essa lei que estabelece uma diferença minima aceitavel entre os dois adolescentes, e ate entre crianças, é dos Estados Unidos.

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